BRASIL - Maria Joseíta Silva Brilhante
Ustra tem 79 anos e muitas memórias. Professora aposentada, ela conta dedicar o
tempo livre à pesquisa sobre a história do Brasil, em especial sobre a ditadura
militar, período durante o qual seu marido foi um dos personagens principais ─
e também uma das figuras mais controversas.
Maria Joseíta foi casada com o
coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. Chefe do DOI-Codi de São Paulo, ele foi
acusado pelo desaparecimento e morte de pelo menos 60 pessoas. Outras 500
teriam sido torturadas nas dependências do órgão durante seu comando. Único
militar considerado torturador pelo MPF (Ministério Público Federal), Ustra
morreu de câncer aos 83 anos, em outubro do ano passado.
No último domingo (17), Ustra voltou
ao debate nacional após ter sido homenageado pelo deputado federal Jair
Bolsonaro (PSC-RJ) durante votação pela aprovação da abertura do processo de
impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. "Fiquei profundamente
emocionada", disse Maria Joseíta em entrevista à BBC Brasil. "Ele foi
de uma felicidade muito grande", acrescentou.
A menção ao torturador feita por
Bolsonaro provocou forte indignação manifestada principalmente nas redes
sociais. Mais de 17 mil pessoas reclamaram da conduta do deputado diretamente à
procuradoria-geral da União, que prometeu analisar os pedidos.
O Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) emitiu nota de repúdio às declarações do deputado
Bolsonaro. "Não é aceitável que figuras públicas se utilizem da
imunidade parlamentar para fazer esse tipo de manifestação num claro
desrespeito aos Direitos Humanos e ao Estado Democrático de Direito", diz
a nota da OAB.
Por outro lado, a principal página no
Facebook relacionada ao coronel Ustra ganhou quase 3 mil curtidas em três
dias. Muitos comentários alegam que a homenagem feita por Bolsonaro seria
equivalente às referências elogiosas, feitas por um outro deputado, Glauber
Braga (PSOL-RJ), ao votar contra o impeachment, a Carlos Marighella, morto por
organizar resistência ao regime militar.
De sua casa em Brasília, ela
conversou por telefone com a BBC Brasil.
BBC Brasil: Durante
votação pela abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma
Rousseff no último domingo, o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ) dedicou
o voto ao seu marido. O que a senhora achou da homenagem?
Maria Joseíta Silva
Brilhante Ustra: Fiquei profundamente
emocionada. Acho que ele foi de uma felicidade muito grande. Acredito que
Bolsonaro tem o direito de prestar homenagem a quem ele quiser porque outros
deputados homenagearam terroristas, como Marighella e Lamarca, que pregaram
durante toda a vida a luta armada, a violência e a separação do País. Se eles
têm esse direito, por que o deputado Bolsonaro não tem?
Mas o seu marido
foi considerado pela Justiça como torturador. Isso é motivo de homenagem?
Meu marido nunca foi condenado pela
Justiça em última instância. O processo está parado. Não há prova nenhuma, só
testemunhal. Interessante notar que prova testemunhal serve para considerar meu
marido torturador, mas prova testemunhal não serve para condenar os corruptos
da Lava Jato.
Mas o vereador
Gilberto Natalini (PV-SP) disse, em entrevista à BBC Brasil, que foi torturado
pelo seu marido...
Natalini passou uma única noite lá no
DOI-Codi. Ele foi detido para averiguação. Quando declarou ter sido torturado,
meu marido enviou-lhe uma carta aberta pedindo informações sobre essa suposta
tortura. Nunca obteve resposta.
O problema é que muita gente usou
isso, e continua usando, para se eleger, para conseguir cargos públicos e
ganhar indenizações do governo. Não estou dizendo que a ditadura militar foi um
mar de rosas. Não foi. Sofro pelas famílias que perderam seus entes
queridos do outro lado. Vejo com tristeza uma mãe que não sabe onde o filho
está. Jovens que tinham a vida pela frente e que podiam lutar pelo Brasil de
outra maneira, mas que foram iludidos por alguns grupos mais antigos de raposas
velhas que tentavam implantar o comunismo no País.
A senhora diz que a
ditadura não foi um "mar de rosas". O coronel Ustra cometeu erros?
Não sei se ele cometeu erros. A mídia
retrata meu marido como se ele fosse onipresente, onipotente e onisciente.
Parece que ele foi um super-homem. Quem começou isso tudo não foram as
Forças Armadas. Houve apenas uma reação ao caos que já estava sendo implantando
no Brasil. O grupo de militantes que estava se organizando já ia para China,
para Cuba, para a União Soviética para fazer treinamento de guerrilha. Era
preciso tomar uma providência. Agora, por que o meu marido é um símbolo de tudo
de ruim que aconteceu no regime militar?
Porque relatos
documentados indicam que o seu marido torturou pelo menos 60 pessoas...
Não posso jurar que o meu marido não
cometeu nenhum deslize. Deslize na vida todo mundo comete. Eu presenciei muita
coisa. Certa vez acompanhei seis presas lá dentro (DOI-Codi). Uma delas estava
grávida e não sabia. Fiquei tocada pela situação.
Tanto insisti que meu marido me
permitiu um contato com ela para ver se eu podia ajudar em alguma coisa. Ela
fez questão de ficar lá com as companheiras porque tinha assistência, era atendida
no Hospital das Clínicas, fazia pré-natal e tinha toda a atenção possível.
Chegamos inclusive a fazer enxoval
para o bebê. Minha empregada fazia tortas para elas lancharem. Coisas gostosas.
No entanto, quando ela teve o bebê e saiu de lá ─ até porque já não podia ficar
mais, pois se tratava de uma concessão por pedido dela própria, passou a dizer
que foi torturada todos os dias.
Já o filho de um outro preso me
acusava de ir ao DOI-Codi para curar as feridas delas. Além disso, segundo ele,
eu atuava como interrogadora. Vejam como supervalorizavam a família Ustra.
Há muita fantasia nessa história. Acredito que nem todo mundo tenha sido
tratado como "pão de ló" como eu fazia.
A senhora sempre
defendeu publicamente seu marido. Por quê?
Eu não fui defensora do meu marido.
Ele não precisava de defesa. Fui uma defensora da verdadeira história e não da
história que está sendo contada. Decidi me manifestar publicamente porque eu
sou uma cidadã brasileira. Passei minha juventude e minha maturidade durante o
período do regime militar. Vi, vivi e tenho conhecimento de muitas coisas que
aconteceram naquela época, que era semelhante ao que estava acontecendo
agora.
Por que aquela
época era semelhante ao que está acontecendo agora?
Porque era um caos. Um grupo de
jovens ─ alguns idealistas outros iludidos ─ queria tomar o poder. A maioria
desse grupo está no governo agora e pertencia àquelas organizações. E deu no
que deu. Uma das maiores empresas do mundo (Petrobras) foi sucateada, o
dinheiro desapareceu de tudo o que foi maneira. O desejo deles é permanecer no
poder.
A senhora é a favor
do impeachment da presidente Dilma Rousseff?
Acho que vamos passar um momento
difícil. Não vejo outra solução melhor. Ela poderia renunciar. Haveria uma
solução melhor?
Fonte: ig.com